Foto: Eduardo Knapp
Foto: Eduardo Knapp
por Luma Cavalcanti
*Publicado no livro "Mestres da Reportagem - Volume IV. O livro faz parte da série Mestres da Reportagem, lançada com o objetivo de registrar a trajetória profissional de grandes nomes do jornalismo brasileiro. Neste volume, Luma teve a oportunidade de entrevistar Cláudia Collucci, um dos grandes nomes do Jornalismo de Saúde do Brasil.
Cláudia Collucci, “com dois Ls e dois Cs”, como ela mesma explica, sempre gostou de contar histórias e, mesmo com passagens pelo rádio e pela televisão, confessa que ter optado pelo jornalismo impresso foi uma das melhores decisões de sua vida.
A paixão pela escrita aparece, também, no ramo editorial: Cláudia é autora de dois livros na área de reprodução humana - Quero ser mãe (Mágica, 2000) e Por que a gravidez não vem? (Atheneu, 2002), e coautora de outros dois Bioética, Direito e Medicina (Manole, 2020) e Saber Fazer e seus Muitos Saberes - Experimentos, Experiências e Experimentações (Editora PUC-SP, 2006).
Nascida em 1967, Collucci iniciou sua carreira em sua cidade natal, Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Aos 18 anos ingressou na faculdade de Jornalismo, pela Universidade de Ribeirão Preto, e trabalhou desde o início da graduação, para que pudesse pagar os estudos, pois seu pai não tinha condições financeiras.
Cláudia é mestre em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pós-graduada em Gestão em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ademais, foi bolsista do programa Knight Wallace na Universidade de Michigan (2010), onde desenvolveu estudo sobre o impacto das novas tecnologias em saúde nos países em desenvolvimento, e foi bolsista na Universidade de Georgetown, em Washington DC (2011), onde pesquisou sobre o conflito de interesses entre médicos, jornalistas e a indústria da saúde.
Dentre as diversas experiências, foi consultora e mentora em um programa de jornalismo em saúde em Maputo, Moçambique (2017). Mantém vínculo com a Folha de São Paulo desde 1990, entre idas e vindas. Atualmente é repórter especial e colunista no jornal impresso de maior circulação do país e um dos maiores nomes do jornalismo de saúde no Brasil.
Já ganhou diversos prêmios pela atuação em saúde, como o Prêmio Especialistas, por seis anos consecutivos. Em 2021, foi laureada no Prêmio Einstein + Admirados da Imprensa de Saúde e Bem-Estar, como a repórter mais admirada do Sudeste, a segunda mais admirada do Brasil e figurou entre as três colunistas admiradas do país.
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Como foi seu primeiro contato com o jornalismo e como descobriu que era isso que você queria?
Cláudia Collucci: Desde a infância eu sempre gostei de escrever, fazer redações, contar histórias etc. Na adolescência já conseguia enxergar a possibilidade de ser jornalista, pois acreditava que poderia ajudar as pessoas com informações e, consequentemente, construir um mundo melhor por meio do jornalismo. Então, assim que terminei o Ensino Médio, prestei ECA/USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), passei na primeira fase, mas sabia que mesmo que eu passasse na segunda, não teria como me manter em São Paulo. Ao mesmo tempo prestei UNAERP (Universidade de Ribeirão Preto) e passei. E sempre trabalhei, porque tinha que pagar minha faculdade e meu pai não tinha condições de pagar as mensalidades. Eu já tinha inspirações dentro da minha família: meu primo, Heraldo Pereira, era repórter da TV Ribeirão na época.
Sua carreira como jornalista começou já em Ribeirão Preto?
CC: No primeiro ano da faculdade, trabalhei numa editora e, no segundo, decidi ingressar na área. Primeiramente, bati na porta de uma rádio chamada Rádio Tropical, e pedi emprego na cara dura: “olha, não tenho experiência nenhuma, nunca peguei o microfone na mão, mas queria muito trabalhar na área”. E passei. Comecei no Fala Magrini, um programa de jornalismo que tratava dos problemas da cidade. Eu era plantonista na fila do Inamps, já naquela época retratando as mazelas da saúde. E, logo depois, comecei a trabalhar no Diário de Ribeirão. Trabalhava de manhã nessa rádio, saia de lá correndo, ia para o jornal, trabalhava meio período em cada um e à noite fazia faculdade.
E como foi esse caminho até entrar na Folha de S. Paulo?
CC: Em 1990, a Folha inaugurou os projetos regionais do interior e eu ingressei na Folha Nordeste. Acabei saindo para ser assistente da chefia de reportagem na TV Ribeirão, mas não me adaptei, então voltei para o jornal e fiquei em Ribeirão até início de 1996. Naquele ano recebi um convite para ajudar na criação e inauguração de uma TV legislativa aqui em São Paulo, em parceria com a TV Cultura. Acabei ficando somente um ano e decidi voltar para a Folha em 1997 para ser pauteira de Cotidiano, e fiquei nessa função por dois anos e meio. Depois fui para a editoria de Treinamento, que coordena o programa Trainees das Folha. Nesse período, consegui fazer o meu mestrado em história da ciência. Quando voltei para a redação, foi para ser repórter de Saúde e, logo depois, fui promovida a repórter especial. Entre idas e vindas, estou na Folha desde 1990.
Quais os motivos para você ter decidido voltar pra Folha nessas situações?
CC: Uma das razões foi a saudade do jornalismo impresso diário. Comecei como repórter lá trás, já fui repórter de Polícia, Política, Economia, já cobri rebelião, já entrei em cadeia, até me descobrir em Saúde. Hoje em dia eu não consigo me ver trabalhando em outra área. Nada me encanta mais do que a carreira de repórter. E, olhando para trás, acredito que ter optado pelo jornalismo impresso e investido na área da saúde foi uma das melhores decisões da minha vida.
E como você descobriu que cobrir Saúde era o que você queria?
CC: Além de ser um bem primordial, saúde é uma área que interessa a todo mundo. A gente está vendo a importância dessa área durante a pandemia de Covid-19. É uma área muito complexa, que envolve múltiplos interesses e que precisa de um bom conhecimento do método científico porque há muita interface com a área científica. Além disso, precisa conhecer um pouco de como funcionam os sistemas de saúde pelo no mundo, as leis, a regulação do SUS (Sistema Único de Saúde) e da saúde privada, no caso, os planos de saúde.
Em algum momento da graduação você estudou sobre essa editoria?
CC: Não, nunca. Eu fui atrás da minha especialização sozinha, lendo, procurando cursos, mas tinha pouquíssimas coisas. Ainda temos que construir esse jornalismo de saúde no Brasil. Entender que a Saúde era uma área que eu queria investir foi muito importante, pois a partir disso direcionei o meu conhecimento, fazendo cursos, tanto o mestrado como a pós nessa área, como os dois fellowships que eu fiz, na Universidade de Michigan, em 2010, e na Georgetown University de Washington, em 2011, com foco em me aprimorar no jornalismo de saúde.
E o quanto as especializações auxiliaram na sua carreira? Você acha que um jornalista para cobrir Saúde precisa ter especializações, pois apenas a graduação não vai dar certo?
CC: Cada vez mais a gente tem que ter conhecimento para cobrir esses setores, pois é necessário entender a dinâmica do setor, os atores e os conflitos de interesses. Uma coisa que você precisa ter para cobrir Saúde é, sobretudo, senso crítico. Você precisa saber que vai trabalhar em uma área de campo minado, onde todo mundo tem interesse por alguma coisa. A indústria de medicamentos e equipamentos quer vender e criar demandas. Uma parte dos médicos também age por interesse, ou para receber algo em troca ou por acreditar piamente que aquilo é melhor para o paciente. Além disso, tem os lobbys todos, seja no Congresso, nos planos de saúde etc. Inclusive ambos os fellowships que participei tinham a ver com essas áreas de conflito de interesse. No de Michigan, em 2010, estudei o impacto das incorporações de novas tecnologias em sistemas de saúde em países em desenvolvimento, como o Brasil, e em Georgetown, em 2011, foi diretamente o conflito de interesse entre médicos, indústria e o jornalismo de Saúde, porque muitas vezes o jornalista é usado nessa história toda, seja para cobrir um congresso médico que você não iria, um medicamento que muitas vezes você não conhece, mas já que está lá, você cobre, ou seja, no fundo e sem perceber isso claramente, está divulgando aquilo em troca de uma viagem. A partir desses fellowships eu parei de aceitar esses convites. É uma iniciativa individual. O jornal ainda aceita, eventualmente, quando há interesse na pauta. E sempre declara no final do texto que “o jornalista viajou a convite de tal indústria”. Eu acredito que esses fellowships, esses cursos, essa prática toda, melhoraram muito minha prática jornalística porque, no fim, o que me interessa é meu leitor e entregar para ele a informação mais isenta possível.
Então você acha que é um demérito do jornalismo ter essa perda de senso crítico? Você acha que tem muito a melhorar?
CC: Tem! O grande problema do jornalismo de Saúde é que poucos profissionais conseguem ter essa visão global do setor. Talvez a pandemia tenha ajudado no sentido de mais bem capacitar os jornalistas na cobertura da área, não sei. Porque, até então, jornalismo de Saúde estava muito relacionado a publicação de estudos científicos, alguns bem questionáveis do ponto de vista metodológico, que podem gerar uns cliques, mas não acrescentam na vida das pessoas. Para compreender e escrever sobre os estudos científicos, o jornalista precisa entender um pouco de metodologia científica, como esses dados são desenhados, e você não vê isso. Vemos muitos jornalistas desenvolverem de forma acrítica muitos desses estudos, que, na verdade, nem mereceriam ser divulgados porque são muito ruins.
Você estava falando de estudo científico, você acredita que o jornalismo de Saúde se confunde com o jornalismo científico, frequentemente, ou que eles se cruzam?
CC: Exatamente, eles se cruzam, e colocam o jornalismo de Saúde dentro do jornalismo científico, como se fosse quase um braço. Mas, por exemplo, esse segundo trabalha, basicamente, com estudos científicos e tudo o que sai a partir dali. Já o de Saúde eu entendo que precisa ser algo mais abrangente, porque ele não vai ficar ali só com base dos estudos, em novos remédios, novas tecnologias. Ele precisa tratar de questões como políticas de saúde, nos setores público e privado. Os jornalistas que pretendem investir na área da saúde precisam ainda se aperfeiçoar na cobertura desses setores.
E como é traduzir os termos científicos para o público?
CC: Eu sempre penso se minha mãe, que estudou só até a quarta série, iria entender aquilo que eu escrevi. Porque o risco que a gente tem quando atuamos no jornalismo especializado é escrever como especialistas e usar os jargões da área. Vemos muito isso no jornalismo de Economia, de Política, e no de Saúde também. Você se vê usando termos, porque é habitual e acaba incorporando aquilo, então você tem que ter o seu “desconfiômetro” ligado para não repetir frases e jargões técnicos que o público não entende.
Você tem maior autonomia por ser repórter especial? Percebi que a maioria são temas cotidianos e têm vínculo com alguma coisa que está acontecendo no mundo.
CC: Sim, tenho mais autonomia. Em geral, os temas sempre sou eu que escolho. Como estou há mais de 20 anos na cobertura da área, o que não faltam são pautas nas mais diversas áreas da saúde. Nos últimos dois anos, porém, toda cobertura está focada na pandemia, mas eu tenho procurado olhar também para o que não está sendo visto, por exemplo, as outras outras doenças não Covid. Muitos diagnósticos não estão sendo feitos e a gente deve observar um aumentos de casos de câncer, de doenças cardiovasculares etc.
No seu livro Quero ser mãe (Mágica, 2000), e você comentou que foi um convite de um médico de Ribeirão para escrever sobre essas experiências. Como foi esse processo? Desde o convite até encontrar as mães para falar sobre o assunto?
CC: O doutor José Franco Jr, que tem um clínica em Ribeirão Preto, tinha assumido na época a rede latino-americana de reprodução assistida, que reunia todas as clínicas do Brasil e da América Latina dessa área. Quando ainda era repórter na cidade, fiz uma matéria sobre o primeiro bebê de proveta do interior, e ele [dr José Franco Jr] perguntou se eu não tinha interesse em escrever um livro. Ele disse que os casais sempre achavam que eram os únicos a terem problemas para engravidar, mas, que na realidade isso acontecia com muitos, porém ninguém contava essas histórias e talvez fosse legal entrevistar casais que passaram por essa experiência de infertilidade. Na época eu consegui uma licença do jornal e entrevistei 40 casais com esses problemas, um deles foi a Fátima Bernardes e o William Bonner. Foi uma experiência incrível!
E no livro você não divulga onde elas estavam fazendo o tratamento. Foi um jeito que você encontrou de preservar a fonte?
CC: Com exceção da Fátima e do William, eu não lembro de usar os nomes verdadeiros. Muitos casais não queriam se identificar, porque na época infertilidade ainda era um tema tabu. Eu lembro do lançamento desse livro, na Bienal de São Paulo e do Rio de Janeiro, de ouvir leitoras falando que ficaram rondando antes de chegar ao estande da editora, porque não queriam ser vistas comprando o livro Quero Ser Mãe. Tinham vergonha de se assumirem inférteis.
Como foi o processo de entrevistar a Fátima Bernardes? Você acredita que o relato dela tenha sido positivo para outras mulheres?
CC: Eu acredito que ela ajudou muito a desmistificar o tema. Foi a primeira vez em que ela declarou que a dificuldade de ter filhos estava relacionada a uma infertilidade do William e não dela. Antigamente, a mulher levava a culpa pela infertilidade e nem se investigava a questão masculina. Foi interessante o depoimento dela, primeiro para tratar da desmistificação, afinal, é um problema de saúde como outro qualquer; segundo entender que os problemas masculinos acontecem na mesma proporção nessa questão de gravidez; e, terceiro, para mostrar que existem outras opções, porque muitas vezes as pessoas não têm dinheiro para fazer os tratamentos e você pode se realizar adotando uma criança ou chegando à conclusão de que não se pode resumir a mulher à única função de ser mãe.
O seu mestrado veio antes ou após o livro?
CC: Foi a partir dessa experiência do livro que resolvi fazer o mestrado sobre Lazzaro Spallanzani, um abade italiano que no século 18 fez a primeira fertilização in vitro do mundo, mas entre cachorros. Era uma época em que não se sabia que era o encontro do óvulo com o espermatozóide que dava origem à vida. Uma coisa foi levando à outra, o livro ao mestrado, o mestrado ao blog Quero ser Mãe...
O blog durou, pelas minhas contas, mais ou menos 12 anos. E, durante um período, você passou por dificuldades para engravidar. Você acredita que esse momento influenciou seu texto e até mesmo o contato das suas leitoras com você?
CC: Eu sempre tive muita dificuldade em me expor. Sempre tive esse olhar de ser jornalista e tentar ser imparcial, o mais neutra possível. Sou de uma geração que é difícil falar na primeira pessoa, fui treinada para falar em terceira pessoa, para relatar os fatos, o avesso dos atuais influencers. Mas, durante o blog, comecei a tentar engravidar e sofri o primeiro aborto. Fiz o tratamento, sofri o segundo aborto com o tratamento... Foi um período de tentativas e frustrações e, por fim, tomei a decisão de que eu poderia seguir minha vida perfeitamente bem sem ser mãe. Algumas das leitoras do blog me seguem nas redes sociais, comentam minhas colunas da reportagem de Saúde, mesmo que não fale de fertilidade há muito tempo. Elas relatam que foi fundamental ter um espaço em que se sentiam acolhidas e, com meu relato dessas dificuldades, houve uma aproximação maior a ponto de algumas se tornarem amigas e me acompanharem até hoje.
Teve um depoimento muito específico que eu li, chamado Maternidade Sonhada, que é um texto enorme agradecendo e citando alguns emails que vocês trocaram na época. Você acha que isso é uma recompensa de ser jornalista?
CC: Acho que o tema da fertilidade pegou de uma forma mais forte em mim por eu também ter vivido o problema. Mas todos os retornos que eu tenho de pessoas que conseguiram, por meio de uma informação que passei, resolver, de alguma forma, seus problemas, foram incríveis. Lembro de uma matéria que fiz sobre implante dentário e depois recebi uma carta de uma mulher que não tinha conhecimento que poderia colocar um implante e recuperar os dentes todos. Essa mulher era faxineira e viu o jornal no lixo do local onde trabalhava, leu a matéria e falou "nossa, eu posso tentar guardar dinheiro e colocar meus dentes", que era o sonho dela. Até hoje eu me emociono com isso [voz embargada], porque é incrível, você faz uma matéria e não imagina o impacto dela.
O seu segundo livro Por que a gravidez não vem? (Atheneu, 2002) veio como um curso natural do blog?
CC: O livro surgiu da ideia de responder às dúvidas mais frequentes que recebia dos casais com a ajuda de alguns médicos da área. Nesse meio tempo, o conflito com as indústrias farmacêuticas começou, porque comecei a ver muitos problemas de médicos que sugeriam a fertilização antes de qualquer coisa, com uso de drogas caríssimas. Cheguei a fazer uma matéria para a Folha com ajuda das minhas leitoras. Como pacientes, elas ligavam nas farmácias e perguntavam o preço dos remédios para o tratamento da fertilização in vitro. A primeira coisa que as farmácias perguntavam era qual o CRM do médico. Para cada médico era um valor diferente, por conta da comissão que eles recebiam da sfarmácias e dos laboratórios. Foi quando começou a surgir meu interesse por esse conflito entre as indústrias e os médicos e isso levou aos meus felllowships no exterior. É incrível como uma coisa vai puxando a outra.
E como você diferencia o preservar a fonte de um off no jornalismo?
CC: Muitas vezes o off nem aparece e entra dentro da apuração como um todo. Algumas pessoas não querem se identificar por alguma razão, por exemplo, um soropositivo, porque ainda sofre estigma, preconceito. Trabalho com muito off nesse setor. Dei um furo sobre o neto do Lula [ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva] ter morrido pela bactéria pneumococo ou estreptococo e não de meningite, que tinha sido a primeira versão. Um médico me contou isso, fui checar, mas ninguém queria se identificar, porque estariam violando o sigilo do paciente. O hospital não confirmava nada e a família não queria falar sobre o assunto. Até que eu consegui reunir vários offs, até de um advogado que foi visitar o Lula. Aí me senti segura para assumir a informação. Então, trabalhamos, sim, com muitos offs, mas precisamos ter confiança na fonte.
No ano passado você deu um treinamento para jornalistas de Saúde em Moçambique. Como foi essa experiência?
CC: Foi bárbara. Quando você pensa que já aprendeu de tudo, vem uma experiência para te falar que você ainda não sabe de nada. Cheguei lá pronta para dar um curso de jornalismo como eu daria para os trainees do jornal, mas tive que voltar muitas casas, quase para o básico. Ensinei que, para falar do crescimento de uma doença, são necessários números absolutos, mas na prática deles isso não existia. Falei muito sobre a importância de ser didático e simples na hora de se comunicar com os leitores, especialmente o pessoal das rádios comunitárias. Tive a oportunidade de falar com muitos radialistas de lá que nem falavam o português, porque mesmo que a Língua Portuguesa seja a oficial do país, existem mais de 60 línguas maternas, dialetos, o que torna a comunicação muito mais difícil. Foi uma experiência de muito aprendizado, uma troca muito importante.
Atualmente, muita gente fala que o jornalismo está em crise, um pouco porque os profissionais precisam ser multifuncionais. Você comentou que você gosta de participar de todo os processos das suas reportagens, quando essa necessidade de o jornalista ser multitarefa surgiu você sentiu que você precisou se adaptar ou era uma coisa que você já fazia normalmente?
CC: O jornalista hoje tem que pensar muito mais do que em pauta, redação e edição. Hoje você tem que pensar nas outras mídias. E, isso pra mim, com mais de 30 anos de carreira, é um pouco complicado, mas, na medida do possível, sempre participo de podcasts da Folha e de vídeos do TV Folha.
Também estou nas redes sociais, mas não na velocidade que eu vejo meus colegas postando e comentando coisas. Acho que perco muito tempo fazendo isso. Se eu estou na rede social, eu não estou apurando reportagens. Mas, ao mesmo tempo, cada vez mais as redes sociais se transformam em mananciais de pautas porque, afinal, as suas fontes também estão lá postando coisas.
Mas acredito que, cada vez mais, pra quem tá entrando no mercado, isso vai ser importante, porque as redações estão ficando mais e mais enxutas e todo mundo tem que fazer tudo.
E qual conselho você daria para os universitários que estão começando suas carreiras?
CC: Primeiro você precisa saber logo de antemão o que você pretende fazer dentro do jornalismo, qual área você pretende seguir, para você correr atrás de mais coisas, de alguma especialização, para já chegar com algum diferencial. Então é necessário conhecer a sua vocação, senão vai ser apenas mais um ali disputando vaga. Segundo que você precisará ser paciente e ter muita resiliência. Precisa saber que é bem provável que, no início, vai ganhar pouco e trabalhar muito, inclusive em finais de semana e feriados. O mercado de jornalismo, de uma forma geral, está bem precarizado, com os veículos de comunicação tradicionais lutando pela sobrevivência. Mas, se for isso mesmo que você deseja, vai em frente. A paixão move montanhas!